quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A menina...



Créditos da imagem: http://www.imagebank.com/
 
Havia despertado cedo aquele dia, não porque quisesse, mas porque sonhara. Não era nada de extraordinário, mas em seu sonho comia vorazmente um pedaço saboroso de pão enquanto brincava com sua boneca de olhos azuis. Porém quanto mais comia mais sentia seu estômago doer, dando-lhe a sensação de não estar saciada. Essa dor fez-lhe despertar... Ao dar-se conta de que despertara percebeu que a dor era real e estava faminta.  A situação financeira de sua família não era fácil ultimamente, mal conseguiam dinheiro para qualquer alimento. Lembrou-se então que era sete de setembro e o centro da cidade estaria repleto de pessoas devido ao dia da pátria e, por sorte, conseguiria algum dinheiro para ter o que comer... Sentia-se envergonhada e humilhada por pedir, mas o tamanho de sua fome ultrapassava o amor próprio. Por volta de meio dia, após diversas tentativas conseguiu uns poucos trocados que mal serviam para comprar alguns pães. Visou então um restaurante aberto e repleto de pessoas e resolveu arriscar-se por lá. Dentro desse restaurante havia uma família sentada à mesa aguardando sua refeição. O filho caçula, de idade pré-escolar, não conseguia conter a excitação por ter visto seu irmão e irmã desfilarem nesse ato cívico. Pedia para a mãe que o deixasse desfilar no próximo ano e sua mãe pacientemente lhe dizia “tudo a seu tempo”e “sua hora chegaria”. Eis que então o menino percebe uma menina um pouco mais velha que ele aproximar-se. Ela calçava um par remendado de chinelos de dedo, trajava uma camiseta gasta e usava uma saia simples até os joelhos.  A menina pede-lhes dinheiro. A mãe do garoto não dispunha de algum e é sincera.  A menina então afasta-se, um pouco conformada, afinal já lhe haviam negado tantas vezes. O menino então se cala. Sua excitação desaparecera instantaneamente. Ele tenta assimilar o que ocorre, mas não consegue.  Seu pensamento fica distante e o menino não consegue tirar os olhos da menina e não sabe porque. Ele não a conhece, jamais a vira. Então, percebe que dentro de seu peito brota um sentimento que jamais experimentara antes e que o deixa mais inquieto do que já esteve na vida. Ele sente que deve fazer alguma coisa, seus olhos buscam auxílio na face da mãe e ele indaga o que poderiam fazer. Com um olhar triste a mãe responde que não tinham condições de ajudá-la.  A menina segue seu caminho e continua pedindo... ela ouve os mesmos infindáveis nãos. Ainda observando a menina, o menino sente seu peito arder e ao mesmo tempo sente-se extremamente impotente. A menina pede então a um senhor de meia idade que devorava algumas batatas fritas. Por mais que precise de dinheiro, a fome é mais forte: seus olhos, cabeça e estômago voltam-se para as apetitosas batatas. O homem displicentemente diz-lhe que não tem dinheiro, mas, compadecido da situação da menina, toma um palito de dentes e o enche de batatas. Ao aceitá-lo, a menina ela não consegue conter seu sorriso de satisfação. Tão poucas batatas não extinguiriam sua fome, mas aliviariam a dor, renovando-lhe as forças prosseguir em sua luta diária. Agradecida ela se despede, levando alguns trocados e as batatas. Ela que foi ali pedir, não sabe que havia dado um presente a um menino: um sentimento novo e ele somente viria a entendê-lo quando adulto.
Nunca mais a viu, mas sua imagem ficou gravada em sua mente de maneira indelével. Vez ou outra ela ainda povoa-lhe os pensamentos e hoje ele sabe que aquela foi a primeira vez que sentiu um dos mais nobres sentimentos humanos: Compaixão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário