Sempre que ouço uma canção, ocorre algo em mim. Algo se move e me leva para o meu íntmo e permito que ela faça parte de mim. Começo então, instintivamente a construí-la dentro de mim e pouco a pouco as personagens vão ganhando rosto ou história. E se isso não ocorre, a canção desaparece e não fica ecoando em mim.
No último final de semana, estive no Curso de expressão & voz e minha professora pediu para eu cantar Ciranda da Bailarina. Essa canção é tão boa, fala tanto do lado humano e sempre me remete as minhas misérias e me recordam que sou de carne e osso.
Então, para interpretar bem a canção, eu precisaria imaginar a bailarina, minha professora sugeriu que imaginasse a bailarina como uma fresca, uma chata. Achei engraçado e tentei associá-la a alguém chata e a única que pude me lembrar foi a senhora Medlock do Jardim secreto (se você ainda não assistiu, gaste um tempo e assista, assim me entenderá melhor). Puxa, essa personagem é bem chata, me dá até raiva em certos momentos.
Apesar de tudo, foi em vão. Não consegui cantar desdenhando a bailarina.
Após cantar, minha professora me disse, "você não pode ser tão bonzinho com a bailarina". Realmente, no exercício proposto eu não poderia ser bonzinho mesmo, pois devia demonstrar que estava indignado com a tal bailarina sobre a qual fala a canção de Chico Buarque. Puxa! Não consegui mesmo!
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Voltei ao meu lugar, então, meu amigo e colega de curso me disse, "você foi tão doce com a bailarina". Eu fiquei tão inquieto com isso, por não conseguir utilizar o sentimento certo na canção. Isso me tirou o sossego! Dizem que nós homens somos mais lentos para interpretar nossos sentimentos, realmente somos, risos. Acho que foi por isso que só me dei conta do motivo dessa incapacidade quando já estava em chegando em casa.
Já havia ouvido essa canção tantas vezes e um sentimento determinado já permeava minha alma e era exatamente o oposto do que eu devia apresentar. A bailarina sempre me despertou pena.
Pena??? Sim! Pena! E como eu conseguiria destratá-la se para mim ela é uma personagem digna de pena.
A bailarina da canção, não tem marca de bexiga ou vacina, nunca ficou doente, nunca se machucou, nunca namorou, não sentiu medo de cair, subir, vertigem... Aparentemente ela é um ser etéreo! Então porque sinto pena??
Sinto, porque ela nunca viveu de verdade! Nunca ficou doente, porque nunca se permitiu brincar numa gelada chuva num dia quente. Nunca teve cascas de feridas, pois nunca se machucou e nunca se machucou porque nunca brincou de verdade. Nunca sentiu medo porque nunca valorizou sua existência. Nunca se apaixonou.
Ela nunca se permitiu viver tudo isso, nunca experimentou a dor de uma queda e alegria de curar-se. Nunca sentiu seu coração partido por um amor não correspondido e teve que proucurar um outro amor. Nunca pegou uma doença porque nunca se sujou na terra ou rolou na grama. Nunca teve micose porque não rolou em um monte de areia. Somos reais e temos muita história, cheia de vida, só a bailarina que não tem.
Sei que vou demorar um tempo para sentir desprezo pela pobre da bailarina. Mas estou na batalha para conseguir isso. Quanto à bailarina, espero que algum dia ela perceba o quanto é bom viver!
Engraçado como os anos nos mudam. Hoje em dia enxergo a bailarina de outro modo: Ela talvez viva tudo isso que falei que não vivia. Mas nunca quis admitir, para parecer perfeita! Ainda assim, considero-a digna de pena. Porque ainda não vive de verdade. Ainda oculta quem ela é. Ainda não aceita a sua real natureza e vive de mentiras.
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